sábado, 14 de abril de 2012

A VELHA QUE MORA LÁ EM CASA

                                                                                              Elsa B. Pithan

Na minha casa mora uma velha que me dá um trabalhão danado. Ela acorda quase todos os dias lá pelas 6:35h na mesma hora dos barulhentos vizinhos do andar de cima. Vira-se e revira-se, abre e fecha os olhos, mas vai ter que se levantar. Ela não escolhe hora para me incomodar. Durante a noite levanta-se duas a três vezes para ir ao banheiro. No verão, ainda vá lá... mas no inverno! E sempre derruba algo que na calada da noite faz um barulhão para os outros moradores.

Na hora do café da manhã fica amuada se não tem uma banana e um pouco de mel com canela e linhaça moída, bom para os intestinos. Só toma chá – erva-doce, pata-de-vaca, 7-sangrias, macela, funcho, guaco.

Olha para o assoalho, pega a vassoura e varre a casa até nos cantinhos. Aí a coluna começa a doer e a ciática dá sinais de insatisfação. Passa Rhus Tox e se mete a tirar o pó. Desanda a espirrar. São os ácaros. O nariz entope. Ela junta as pontinhas do dedo polegar e do fura-bolo da mão direita e aperta bem, e com os outros dois dedos da mão esquerda aperta bem em cima das unhas desses dois por uns dois minutinhos e respira fundo. É o do-in que a amiga Elvirinha ensinou. O nariz desentope. E o banho?! É uma cena! – “Vou tomar perto do meio-dia que é mais quente. Xi, mas hoje tem vento!” Então fecha as janelas todas. Telefone toca. Ensaboada, enrola-se numa toalha e vai atender. Pode ser a filha. Não é. É um tal de Cláudio vendedor do filtro de água Europa. Diz que não bebe água, só chá e desliga. Pobre do cristão, precisa trabalhar para viver. Volta para o banho.

No almoço, gostoso como sempre, almôndegas com spaghetti al sugo. Saboreia. Toma um gole de vinho da Salton enquando mastiga um pedacinho de chuchu cru – bom para a pressão - o soluço começa, 3, 4, 5 soluços, respira fundo, mais um golinho de vinho e passa. Mas fico assustada. Esqueço a velhice dela. Ah! E não passa sem uma laranja de sobremesa. Não come doces. Só quando almoça na Zilah ou na Elvirinha. Elas fazem o doce que ela gosta – ambrosia e arroz doce. Quando chega em casa vai ligeiro preparar um chá de pata-de-vaca que é bom contra os males do açúcar.

É exigente com a TV. Só assiste programas elitizados (e são poucos), o que ela mais gosta é o do Tio Ronnie na TV Gazeta, que amor. E quando vai sair, então, não dá para aguentar. Só entra em lugares que não usam ar condicionado e jura que o vírus da Gripe Suína, que mudou de nome por motivos financeiros, está alojado também no ar condicionado dos aviões. Este e mais outros vírus. Ela sabe. Um sobrinho viajou com rubéola e havia uma grávida a bordo. E aí se enche de medo. Só anda com lenço de pescoço para tapar nariz e a boca quando acha que tem perigo a vista. Fica angustiada. O sintoma todo é de TPM. Nostálgico, claro. Naquela idade!

E quando dá para ficar alegre então, toma conta da conversa e se exibe o que dá. Diz certas coisas que me deixa admirada. A velha é sábia de vez em quando. Na janta os outros comem. Ela toma chá numa cuia de chimarrão. “Chámarrão” como diz, e pão com mel ou queijo de cabra. O de vaca nem pensar. Tem intolerância a lactose. Nem queijo, nem manteiga, creme de leite. Nauseante.

A gente se encontra no banheiro. Na parede tem um espelho grande, e eu penso enquanto olho as rugas e o cabelo todo branco e aqueles olhos verdes, ainda com um resquício de brilho.

“Bah! Quem te viu e quem te vê.” Então suspiro e digo – “Bom, vamos dormir, né.”

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