domingo, 23 de janeiro de 2011

De volta à vida

A genética e a tecnologia são as armas mais


promissoras para reviver animais extintos

e salvar outros em via de desaparecer



Luiz Guilherme Megale

Nos últimos quatro anos, o pesquisador Don Colgan, do Museu Australiano, tem se dedicado a ressuscitar um animal cujo último exemplar foi visto vivo em 1936. Seu objetivo é recriar um espécime de tigre-da-tasmânia em laboratório com o uso da clonagem até 2010. Em maio deste ano, Colgan conseguiu uma vitória excepcional nesse desafio. Reproduziu milhões de cópias do DNA (o código genético) de um animal morto há 136 anos e desde então guardado num vidro com álcool nos depósitos do museu. Pela primeira vez cientistas têm em mãos amostras de DNA com potencial para ser implantadas em células vivas. Os próximos passos da pesquisa são seqüenciar os genes do animal, como foi feito com os dos seres humanos no Projeto Genoma, e identificar um bicho que possa ser o hospedeiro de uma gestação. Paralelamente, pesquisadores continuam percorrendo pontos remotos da Tasmânia, ilha ao sul da Austrália, atrás de algum tigre que possa ter sobrevivido escondido, um trabalho que até agora não tem tido nenhum sucesso.

A tentativa de recuperar o tigre-da-tasmânia, um marsupial carnívoro de mandíbulas enormes, é um exemplo de como o homem tenta reverter os prejuízos que causou a outras espécies. É uma tarefa cara e complexa que tem apenas 10% de chance de dar certo. "Não desistiremos, nem que isso leve vinte ou trinta anos", diz o pesquisador Colgan. Ressuscitar o tigre-da-tasmânia é uma questão de honra para os australianos. Esse animal atraiu o ódio dos colonizadores europeus ao atacar os rebanhos de ovelha e foi caçado sistematicamente. O governo colonial da Tasmânia oferecia recompensa de 1 libra por um escalpo do tigre, o que provocou um massacre da espécie. O tigre-da-tasmânia é apenas uma das espécies que acabaram desde a chegada do primeiro homem pré-histórico à região que compreende a Austrália, a Nova Zelândia e a Tasmânia, há cerca de 50 000 anos. Calcula-se que desde aquela época tenham desaparecido pelo menos vinte espécies de canguru gigante e outros marsupiais. "Esses animais foram caçados até desaparecer por completo", diz Tim Flannery, especializado em mamíferos, que coleciona roedores e marsupiais no Museu Australiano.

Da mesma forma que acontece na Oceania, no resto do mundo cientistas se esforçam como podem para salvar animais que estão correndo o risco de desaparecer. É um trabalho duro cujos resultados são obtidos com muita dificuldade, uma vez que o estrago tem dimensões colossais. Estima-se que, nos últimos 500 anos, 816 espécies de animais tenham sido extintas pela ação direta ou indireta do ser humano. De 1996 a 2002, o número de animais ameaçados saltou de 5 205 para 5 435, um aumento de 4,4%. Dependendo da espécie, isso significa um aumento de 1 000 a 10 000 vezes no ritmo natural de extinção. A principal ameaça moderna aos animais é a alteração e destruição do meio ambiente em que eles vivem. A União Internacional de Conservação (IUCN), entidade que compila as espécies ameaçadas de extinção, calcula que a voracidade com que o homem avança para áreas até então intocadas e a poluição ambiental sejam as principais ameaças para 89% das espécies de aves sob risco, 83% dos mamíferos e 91% das plantas. Em seguida vem a introdução de espécies alienígenas, que competem com as espécies nativas e desestabilizam a cadeia alimentar.

Entre os animais que correm maior risco de entrar na lista dos extintos estão primatas como o gibão-de-cabeça-preta, o macaco mais ameaçado do mundo. São apenas vinte exemplares desse animal vivendo na floresta da pequena Ilha de Hainan, na China, dependendo da proteção do governo para sobreviver. Outro primata asiático ameaçado, o langur-de-cabeça-branca, é bastante procurado pela população das cidades chinesas de Fusui, Chongzuo, Ningming e Longzhou, que utiliza seus órgãos para a fabricação de tônicos fortificantes. Hoje apenas 400 langures-de-cabeça-branca estão vivos. Na Europa tenta-se salvar animais como o lince ibérico. É o felino mais ameaçado do mundo e a espécie foi reduzida a apenas 300 exemplares. Com cerca de 1 metro de comprimento e peso variando entre 12 e 20 quilos, ele tem uma vistosa coloração alaranjada com pintas pretas, bem parecidas com as de uma onça. Esse animal foi muito caçado pela beleza da pele, e sua recuperação é considerada uma das mais complexas.

NO BRASIL, O IBAMA ESTIMA QUE EXISTAM 627 ESPÉCIES animais em risco de extinção. Entre os animais considerados extintos estão a arara-azul pequena, que vivia nas ribanceiras do Rio Paraná. Há dois anos foi a vez da ararinha-azul, nativa do Nordeste, ser considerada extinta na natureza depois que o último animal que era acompanhado pelos técnicos do Ibama desapareceu. Hoje existem 54 exemplares em cativeiro e os planos dos técnicos do Ibama que se dedicam à recuperação da espécie são reintroduzi-los em seu habitat no futuro. Esse processo de reintrodução funcionou bem com uma espécie que durante a década de 80 se tornou o símbolo da extinção no Brasil, o mico-leão-dourado. Esse pequeno animal de 60 centímetros, que pesa pouco mais de meio quilo, é ainda hoje um dos mais raros primatas do mundo. Numerosos até o século XIX, esses macacos começaram a rarear quando seu habitat, a Mata Atlântica do Rio de Janeiro, passou a ser devastado. Sua beleza o tornou cobiçado por traficantes. Nos anos 70, descobriu-se que apenas 100 deles ainda estavam vivos.

Desde então a caça foi proibida e criaram-se duas reservas especiais no Rio de Janeiro para a recuperação da espécie – Poço das Antas e União. Há 135 zoológicos de todo o mundo envolvidos no esforço de recuperação e hoje existem aproximadamente 1 000 micos. Os primeiros animais começam a ser liberados em áreas especiais em fazendas dos municípios de Silva Jardim e Rio Bonito. O mico-leão-dourado é um animal exigente, que só sobrevive na Mata Atlântica a menos de 100 metros de altitude. A reprodução é igualmente complexa, pois é preciso evitar que o cruzamento consanguíneo ameace a saúde genética da população. A operação de salvamento é caríssima e custa entre 25 000 e 30 000 dólares por animal, bancada por instituições como a National Geographic Society, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e a Smithsonian Institution. Mas é um esforço que vale a pena.

Revista Veja. Edição especial Ecologia, dezembro de 2002, p. 56 a 59.

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