quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O sobrenome de Joana

Se pelo menos eu tivesse conservado meu sobrenome, suspirava sua mãe em dolorido lamento. Joana, quando criança, ouvia essa reclamação muitas vezes. Dolorido e explicável lamento: a mãe era uma mulher submissa, maltratada pelo marido. Em conseqüência, muito cedo, pensando na mãe, Joana decidiu: manteria o sobrenome de solteira, como só casaria com um homem que adotasse seu sobrenome.


Logo as oportunidades começaram a aparecer, bonita, inteligente, ela atraía a atenção dos rapazes. Proposta matrimonial não lhe faltava, até de jovem muito interessante.

O primeiro pretendente sério foi o Marcelo. Rapaz trabalhador, queria casar. Joana, depois de um namoro morno, disse que aceitava a proposta, mas com aquela condição. Marcelo teria de adotar o sobrenome dela. Coisa que o rapaz rejeitou. Romperam o namoro ali mesmo, ao lado de uma parede de pedra.

O segundo foi Bruno, não tão sério quanto Marcelo, porém mais inteligente. Namoraram algum tempo, ele propôs o casamento, de noite, ao sair. Suando, ouviu a exigência dela, vacilou; não lhe agradava aquilo, mas fez uma contraproposta: casariam e cada um conservaria seu sobrenome. Nada feito, retrucou Joana.

O terceiro foi Arlindo, não tão inteligente quanto Bruno, mas muito mais afetivo. Desta vez foi Joana quem levantou o assunto: quando a gente se casar, disse, eu quero que você adote meu sobrenome. Ele olhou-a espantado: a verdade é que nunca cogitara isso. Viver juntos, tudo bem; casamento nem pensar. Ela, então, após muitas lágrimas, com os olhos vermelhos de choro, mandou-o embora, indignada.

Agora, faz tempo que está sozinha, mas tem observado com interesse um colega de escritório. Homem trabalhador, esforçado, inteligente, afetivo. Marido ideal. Problema: ele e ela têm o mesmo sobrenome, Silveira. Se casarem, esse Silveira será o sobrenome dela ou dele? Se for o caso, ela não quer nem saber.

(Moacyr Scliar. Folha de São Paulo, 21.03.05. Adaptado)

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