Já eram dez horas e nada tinha comido ainda. Avistou de
longe o sarnento fuçando nos sacos de lixo. Foi lá fazer companhia no desespero
da fome. Rasgou alguns sacos e, enquanto o companheiro se satisfazia com alguns
restos de comida azeda, um homem grande e furioso espantou os dois das lixeiras
do seu restaurante.
Os dois companheiros ficaram pelo meio fio, correndo,
pulando e se divertindo alheios aos carros que passavam apressados na avenida.
Já era meio-dia quando farejaram um perfume defumado. Uma
senhora saía da mercearia carregando umas linguiças. Os dois foram atrás
lançando um olhar que inspirava piedade. A mulher pôs a mão na sacola e puxou
uma rodela de mortadela. Deu ao sarnento, que ingeriu sem mastigar. Ela se
apiedou da sua fome, afagou a sua cabecinha e convidou pra ir até a sua casa
prometendo um banho com mata-cura.
Agora sozinho e de barriga roncando, achou melhor dormir
espremido num cantinho embaixo duma marquise pra ver se a fome passava.
Às três da tarde, lá ia ele pra praça central. Um senhor
idoso sentado num banco arremessava pipocas às pombas. Se aproximou mansamente
demonstrando sua preferência por pipocas. O velho se levantou, amassou o
pacotinho, se dirigiu à lixeira onde depositou o saco engordurado. O nosso
amiguinho espantou as pombas e se satisfez com quatro ou cinco pipocas ainda
caídas ao chão.
Em seguida, avistou o chafariz. Correu de boca aberta até
lá lembrando que sentia sede. A felicidade foi uma patada na sua pequena alma
quando lembrou que a água é de todos. Bebeu e se banhou pra se refrescar do
calor. Um guarda que cuidava da praça correu na sua direção e já ia erguendo um
cassetete pronto pra acertar o seu lombo. Saiu com o rabinho entre as pernas e
a cabeça baixa demonstrando submissão. A água não é de todos.
Às oito da noite, diante da carrocinha de
cachorro-quente, uma fila de pessoas que não olhavam pros lados aguardava pelo
lanche, enquanto ele olhava fixamente o movimento das salsichas entrando nos
pães ostensivamente.
Uma salsicha, duas salsichas, três salsichas, quatro
salsichas. Foi só na quinta que um homem que puxava duma perna com um sotaque
carregado nos erres pediu dois cachorros-quentes. Um seria pro seu amiguinho
faminto, falou com um sorriso.
Recebeu a sua refeição e um afago na cabeça. Comeu com
voracidade. Nem percebeu o homem ao telefone falando duma criança que andava
sem os pais, enquanto lambia com gana o último grão de milho no plástico que
antes envolvia o cachorro-quente. Deu ainda uma boa lambida ao redor da boca
com o intuito de não perder sequer uma gota de maionese. De barriga cheia, fez
a parte do cachorro magro e saiu sem nenhum agradecimento.
Andou até o beco que era o seu quarto, deitou na sua cama
de papelão, e olhou pro teto de estrelas. Antes de pegar no sono, o menino ainda
pensava se amanhã teria de novo a sorte de conseguir comida. Nesta noite,
dormiu sem a companhia do sarnento.
Blog com matérias incrivel para indicar aos pais dos alunos de nosso objetivo zona norte SP, bacana demais!
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